segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Carolinie Figueiredo: “Cansei de estereótipos e de ser julgada pela minha aparência”

Mãe de Bruna Luz, 4 anos, e Theo, 2, a atriz se reinventou depois da maternidade. Em entrevista à Taynara Prado, ela fala de todas as mudanças

Por Conselho de Mãe, por Taynara Prado 

Carolinie Figueiredo usou sua experiência com a gravidez, o parto e a maternidade como forças transformadoras. Vítima de violênca obstétrica, ela se tornou doula, educadora perinatal e ativista engajada no empoderamento feminino. Aqui, ela conta o que mudou em sua vida depois do nascimento dos dois filhos e diz que não sentiu vontade de voltar ao corpo de antes após a segunda gravidez. “Malhar ou fazer dietas não foram prioridades”, conta.
Taynara Prado – Você passou por duas gestações. Foram duas experiências muito diferentes?
Carolinie Figueiredo –
 Na gravidez da Bruna Luz, eu tinha 21 anos. Não sabia de muita coisa. Durante os primeiros anos, minha história foi repetir padrões, abaixar a cabeça para o sistema e para os “pitacos”. Comecei a fazer ioga na gestação e isso fortaleceu nossa conexão e deixou meu corpo desperto, apesar de eu ter engordado 30 quilos. Vivi a gravidez plenamente. Parei de trabalhar e estava só nos preparativos da casa para receber Bruna. Na vez do Theo, brinco que descobri a gravidez aos oito meses e meio. Trabalhei demais. Mudei de médica com quase nove meses. Descobri que no meu primeiro parto tinha sido violência obstétrica e, então, por medo e por trauma do hospital, comecei a flertar com o parto em casa, mas não tive coragem de bancar a ideia com a família. Foram vivências muito diferentes. Eu também já era um ser diferente, gerando filhos diferentes. Procuro não comparar as histórias, mas aprender com elas.
TP – E como foi o parto do Theo?
CF – 
Quando Theo nasceu, a programação era ir para a maternidade e tentar um parto humanizado natural lá, mas acho que sonhei tanto com esse parto em casa, que acabei tardando as informações e sentindo uma dor suportável. Eu estava há dois dias em trabalho de parto e ficar em casa me deu segurança, confiança, intimidade. Bruna Luz estava o tempo todo perto de mim, me dando força. Quando a enfermeira chegou para me examinar, pedi para tomar um banho antes. Em duas contrações mais fortes, ele nasceu no banheiro, enquanto eu estava no chuveiro.
TP – Você contou que engordou 30 kg. Sentiu pressão para recuperar a forma do seu corpo depois dos dois partos?
CF – 
Depois da segunda gravidez, não senti vontade nenhuma de emagrecer. Estava feliz comigo. Malhar ou fazer dietas não foram prioridades. Também não usei cinta. Desde 2014, prometi a mim mesma que só interpretaria papéis que valorizassem a mulher, trazendo poder e consciência para todas nós. Cansei de estereótipos e de ser julgada pela minha aparência. Não idealizo ter o corpo de antes. Hoje faço ioga duas vezes por semana e estou fazendo minhas atividades a pé, porque sempre amei caminhar e andar rápido. Não por padrão, mas porque tenho sentido necessidade de movimentar meu corpo.
TP – Você foi mãe aos 22 anos e novamente aos 25. Como se sentiu depois do nascimento de cada um dos seus filhos?
CF –
 Todos os meus puerpérios foram profundíssimos nesse questionamento: não sou mais atriz? Será que vou retomar minha profissão? O período do pós-parto envolve, além da privação do sono, da exaustão e da amamentação em livre demanda, a perda da identidade. Abrimos mão da nossa vida social e as amigas (no meu caso, a maioria nunca tinha tido filhos) não acompanham a intensidade das transformações. Não cabemos mais nas antigas roupas. Não somos mais a grávida, nem a mulher de antes. Temos que aprender a conciliar nossas necessidades com as de um bebê que chora e que está se adaptando. Tive que abrir mão de vários rótulos, questionar quem eu era e quais eram meus valores.
TP – Bruna e Theo têm idades próximas. Como é a relação deles?
CF – 
São muito chatos os momentos de disputa de colo, atenção ou brinquedo, mas procuro interferir o menos possível na relação deles, só cuidando pra garantir a integridade quando as brigas são físicas. Fico atenta para não enquadrá-los em rótulos e nem deixar que se protejam atrás de personagens que criamos tipo “a coitadinha” ou “o implicante”. Geralmente, eles voltam a se entender com a mesma facilidade que a confusão começou e, por isso, não posso me envolver emocionalmente na briga. Se não, eles se recuperam com rapidez do conflito e eu fico remoendo a situação. Procuro trazê-los para o processo de reflexão sobre o que está acontecendo, sem julgar ou apontar culpados, respeitando o nível de entendimento de cada um. Relembro que estamos em busca do amor, da paciência, que somos uma família e que precisamos cuidar com carinho uns dos outros.
TP – Em quais circunstâncias você normalmente precisa dar bronca neles?
CF –
 Em situações de exaustão mental ou física, nossa paciência e tolerância ficam automaticamente prejudicadas. Desde que engravidei do Theo, percebi que, para dar conta dos dois sozinha, sem ser a mãe que grita ou que fica chamando atenção o tempo todo, eu teria que mudar muita coisa. Geralmente, quando estou passando por algum período de desconexão ou contradição entre  a minha vida pessoal e as demandas da maternidade, essas broncas ficam mais frequentes. Desde 2014, estudo disciplina positiva e comunicação-não violenta, além de ter investido em desenvolvimento pessoal e autoconhecimento. Fui criada num contexto familiar de muitas brigas, repressão, violências de todo os tipos. Meus pais fizeram o que sabiam e podiam e eles mesmos estavam quebrando os próprios padrões. Estamos todos tentando ser melhores a cada dia, mas, investir nos estudos, buscar retomar a conexão com as crianças momento a momento e conseguir me expressar com clareza, firmeza gentileza e amor têm me norteado nessa difícil tarefa de desenvolver a autodisciplina - neles e em mim. Na realidade, eles só aprendem profundamente pelo espelho e por imitação do que observam.
TP – Você sofreu com a violência obstetrícia no parto da Bruna Luz e já deu vários depoimentos sobre o assunto. Como tem sido dividir suas experiências outras mães?
CF –
 Eu achava que meu primeiro parto tinha sido normal, porque fiquei na banheira, não tomei anestesia e Bruna nasceu pela via vaginal, com música, à meia-luz, amamentação imediata. Mas alguma coisa parecia ter sido esquisita. Fiquei muito melancólica e deprimida no pós-parto. No final da segunda gravidez, troquei de equipe e, repassando os acontecimentos, percebi que várias coisas que aconteceram não eram normais. Negaram comida e água para mim, fui obrigada a ficar sentada numa cadeira que não me auxiliava a fazer força no período expulsivo, sofri violência emocional, me desencorajaram. Por fim, descobri que a tal manobra de kristeller, em vez de ser um “auxilio para a saída do bebê” é uma pratica ultrapassada, que configura violência contra a mulher. Isso causa dor e trauma, tanto no bebê, quanto na mulher. É uma manobra já proibida em alguns países e não recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).  Sei que compartilhando minha história, estou empoderando mulheres, fazendo com que olhem para a própria história e façam as desconstruções dolorosas, mas desnecessárias, além de prevenir as próximas gerações e grávidas para que nenhuma precise passar por isso. É para transformar a dor em luta!
TP – Mesmo com os filhos, você consegue reservar um tempo só para você?
CF – 
Demora um tempo, mas, agora que coloquei os dois na escola, tenho minhas manhãs livres. A separação foi boa nesse sentido. Quando eles estão com o pai, consigo ter tempo somente para mim. Retomei meu corpo e meu espaço e isso foi importante porque trouxe qualidade para a minha relação e a minha presença com eles.
TP – A maternidade trouxe novos desafios profissionais, além da carreira de atriz. Como surgiu a ideia de se tornar doula e educadora perinatal?
CF –
 Eu já estava compartilhando minhas experiências de maternidade e empoderamento feminino no blog Canto da Mulher que Canta e nas redes sociais. Achei que seriam desabafos das minhas inseguranças e descobertas. Eu amava escrever sobre o amor incondicional e as delícias de ser mãe, mas também sobre a exaustão, as contradições, a responsabilidade pelas escolhas. Até que as mulheres começaram a se identificar demais com o que liam e comecei a facilitar rodas de mães pelo Brasil (Manaus, Salvador, Rio de Janeiro, Niterói). Mas sou atriz desde pequena e sentia falta de uma formação para poder aprofundar o estudo, desconstruir mitos, auxiliar mulheres e mães. Vou estudar outros assuntos, como pedagogia Waldorf, disciplina positiva e empreendedorismo materno. Tenho vontade de juntar minhas paixões, que são o estudo, a escrita, o compartilhamento de informações nas redes sociais e encontros presenciais. Com o empreendedorismo digital, consegui desenhar uma vida nova depois dos filhos, gerar renda na minha velocidade, tudo atrelado aos assuntos que têm me movido. Depois dos filhos, nós, mães, precisamos repensar muitos valores e também a questão da presença. Para mim, isso sempre foi o mais difícil de conciliar: a volta ao trabalho, que, às vezes, não é mais o mesmo porque nós também mudamos muito, e a maternidade.
TP – Você também escreve sobre empoderamento feminino. De que forma reivindica isso na maternidade?
CF –
 Depois do meu parto-surpresa em casa, entrei em contato com uma força interior muito grande. A rebeldia de assumir meu próprio corpo fora dos padrões e também as marcas da maternidade foi um processo doloroso, mas que me fez crescer muito como mulher. Foi um processo de descobrir autoestima, amor próprio. Empoderamento é descobrir o poder pelos próprios meios, achar suas escolhas no caminho. O feminismo também reascendeu muito forte desde que Theo nasceu. Eu me descobri mulher depois de ser mãe: minha sexualidade, minha relação com meu corpo. Unidas, trocando nossas experiências e exercitando o não-julgamento, a empatia e a escuta de qualidade, as mulheres conseguem despertar a força e o poder uma das outras.
TP – Você organiza eventos online sobre maternidade, o “Encontro da Maternagem Consciente”. No ano passado, reuniu mais de 15 mil pessoas na internet. Como está essa segunda edição?
CF –
 Nesse ano, esperamos um público de 10 a 15 mil pessoas inscritas. O “Encontro da Maternagem Consciente” foi um divisor de águas na minha vida. Muitos eventos são entrevistas com pessoas renomadas, que admiro no mundo da maternidade. Tudo isso me abriu um campo de trabalhar com propósito, engajamento social, transformação de vidas e geração de renda de um jeito que nunca imaginei que existisse. As mulheres me param nas ruas, me mandam e-mails e mensagens inbox com depoimentos de agradecimento de como mudaram a vida e as relações com os filhos depois do evento, que também já teve versões presenciais. Isso não tem preço.
TP – Que conselho você daria para outras mães?
CF –
 Não há nenhuma regra absoluta; somente o que funciona na minha casa, na minha configuração familiar, no aqui e no agora. Para nos conectarmos com as crianças, precisamos estar absolutamente presentes e de coração aberto e isso só funciona se estamos conectadas com nós mesmas também.
TAYNARA PRADO é escritora, jornalista e colunista. Divide o tempo entre o trabalho de Pesquisa de Conteúdo do Video Show e entrevistas com as mães famosas na coluna Conselho de mãe, às terças e quintas. Quer escrever pra ela? Mande um e-mail para taynara.prado@tvglobo.com.br
Fonte: Revista Crescer

Nenhum comentário:

Postar um comentário