segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A vida na visão de uma menina bem ‘rock’n’roll’

Chega a São Paulo o infantil ‘Mania de Explicação’, que foi a coqueluche do inverno carioca, em plena Copa do Mundo

Estreia neste sábado (9), em São Paulo, depois de uma longa e bem sucedida temporada no Rio de Janeiro (inclusive durante a Copa do Mundo), o infantil‘Mania de Explicação’, uma pérola no cenário atual das artes cênicas voltadas para as crianças. A direção é de Gabriel Villela, com Luana Piovani no papel de Isabel, uma menina que inventa respostas lindas para perguntas aparentemente simples, o que resulta em um espetáculo de alto teor filosófico. O premiado livro de mesmo nome, no qual a peça se inspirou, é de Adriana Falcão, que o adaptou na boa companhia do escritor Luiz Estellita Lins. Conversei com os dois, para que tenhamos algumas chaves de compreensão deste magnífico espetáculo, que, de quebra, é recheado de canções de Raul Seixas, combinando  com a personalidade “rock and roll” da menina Isabel.
CRESCER:  Qual o maior medo que um autor de livros tem, ao ver sua obra transposta para o palco? Que riscos você teme?
ADRIANA FALCÃO: Tudo o que é novo envolve riscos e o maior medo que aparece numa situação dessas é se essa transposição do livro para o palco não vai ser uma simples repetição. Quando a gente busca algo de novo, pode dar certo e pode não dar, mas isso é risco calculado. O medo de que no fim nada de novo aconteça é o mais assustador.
CRESCER:  Como você viu a inclusão das músicas de Raul Seixas no espetáculo? Quais os ganhos disso para a poesia filosófica do livro?
ADRIANA FALCÃO: Quando o Gabriel Villela trouxe esta proposta, tivemos a sensação imediata de que tinha sido uma sacada sensível e genial. Isabel, a protagonista, tem uma alma roqueira, ela acha o mundo pré-concebido uma coisa chata, sem graça. Com Raul, a poesia do livro fica mais rock’n’roll.

LUIZ ESTELLITA LINS: Isabel desarruma o mundo com suas explicações, algo que Raul faz com muita energia, através de suas letras e sonoridade. Raul foi um grande desconstrutor e, mesmo assim, tinha uma sensibilidade infantil à flor da pele, como por exemplo em ‘Plunct Plact Zum’. Eu era ainda menino quando ouvi ‘Gita’, e fiquei extasiado. Essa escolha não podia ser mais perfeita.

CRESCER: Quantas vezes você viu a peça no Rio de Janeiro? O que você pode nos contar sobre a reação do público e os retornos que recebeu durante a temporada?
ADRIANA FALCÃO: Muitas e muitas vezes. Na primeira conversa que tivemos com a Luana Piovani, decidimos que não iríamos fazer concessões a um texto fácil. Isso gerou um desafio muito grande de envolver as crianças para que, junto com a protagonista Isabel, elas se aventurassem por um caminho ainda desconhecido. Esse percurso dramático também precisava se renovar para os atores. Não só o público tem nos procurado, mas os atores vêm nos presentear, compartilhando suas novas experiências. Um momento especial foi quando um menino, sentado na primeira fileira, resolveu se levantar e interagir com o espetáculo do começo ao fim. Ele foi muito aplaudido ao final.

LUIZ ESTELLITA LINS: No início tive muito medo de que as crianças resistissem e pedissem para ir embora. Para minha felicidade, ao contrário, mesmo os que saem para fazer xixi, voltam correndo.  O que temos visto é muito lindo e parece que deu certo. As reações que mais observei foi a de encantamento por parte das crianças, mesmo as muito pequenininhas, e comoção por parte dos pais. Todos se mantém muito atentos à trama e ao mesmo tempo se sentem muito livres para se manifestar durante o espetáculo.

CRESCER:  Qual a frase (ou as frases) de Isabel que você percebeu que mais permanece(m) com as pessoas depois do espetáculo e por que será que é uma frase tão bem aceita?
ADRIANA FALCÃO: Quando assistia ao espetáculo estava sempre tão emocionada que não consegui perceber qual frase ficou mais forte para as crianças. Para mim, tinha uma frase que reverberava, pois eu tinha acabado de descobrir aquilo pra mim: “E se crescer for uma coisa que não fica pronta nunca?”

LUIZ ESTELLITA LINS:  “Como é que alguém pode não acreditar numa coisa que deixa a vida tão mais bonita quando a gente acredita nela?” Eu acredito que essa frase é um mantra, no qual cada palavra é uma sementinha plantada naqueles meninos e meninas. Uma espécie de fórmula mágica para se fazer boas escolhas.

CRESCER: O que há de especial e universal na história de Isabel, que a faz tão única e ao mesmo tempo tão filha de todos nós?
ADRIANA FALCÃO:  Isabel é uma menina corajosa, disposta a não abrir mão de seus sonhos e a assumir seus sentimentos, ela é verdadeira e apaixonada. Essas características de Isabel ajudam a gente a identificar as dúvidas e as buscas que nos tornam tão únicos e ao mesmo tempo tão parecidos. Humanos.

LUIZ ESTELLITA LINS: Quando conseguimos contar uma estória com paixão e verdade, por mais particular que esta estória pareça, ela assume um caráter universal. Todo mundo tem um pouco de todo mundo dentro de si, o que nem sempre é fácil de ver e de aceitar. Isabel faz essa menina que mora na gente se tornar visível, em algum lugar, em algum momento em nossas vidas.

CRESCER: Quais foram as maiores dificuldades na hora de adaptar para o teatro um livro feito de frases tão poéticas e livres, sem as amarras de um enredo tradicional com começo, meio e fim? Conte um pouco sobre esse processo de adaptação.
ADRIANA FALCÃO: Investigar quais eram as estórias que se escondiam no livro, nas suas ilustrações, reencontrar a poesia e perceber como ela nos transformava ao longo do processo de adaptação foi a dinâmica deste trabalho. A dificuldade foi descobrir o quanto podemos ou não interferir no mundo de nossos personagens, quando ousamos uma nova linguagem.

LUIZ ESTELLITA LINS: Adaptar ‘Mania de Explicação’ para o teatro foi uma experiência muito intensa de aprendizado. Para mim a grande dificuldade foi dar forma aos personagens que viviam ainda ocultos no mundo de Isabel. Muito mais um processo de descoberta do que de criação. Uma delícia.

CRESCER:   Como surgiu a ideia do jogo de tabuleiro e o que ele representa na trama, nas suas visões de adaptadores?
ADRIANA FALCÃO: Escrever a estória de Isabel, assim como escrever a nossa própria estória, é um jogo, de encontros e desencontros, erros e acertos. O jogo de tabuleiro nasce de um olhar mais lúdico, através do qual os ganhos e as perdas deixam de ser definitivos e passam a ser as etapas ao longo de um caminho.

LUIZ ESTELLITA LINS: O jogo de tabuleiro é um lugar afetivo, um território onde experimentar é permitido. Na peça, ele aparece no momento em que Isabel se dá conta de que as forças da natureza atuam dentro e fora de nós, e que é preciso lidar com elas para crescer e realizar.  

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